Demarcações paralisadas contrastam com comemorações
Um dos maiores sítios arqueológicos do Brasil e palco de
grandes aldeamentos e reduções jesuíticas, o Oeste do Paraná, em
especial as regiões de Guairá e Terra Roxa, tem ganhado destaque pelo
clima de tensão entre produtores rurais ligados a entidades classistas e
os povos indígenas.
Por Júlio César Carignano
Crianças das aldeias de Guairá e Terra Roxa, no Paraná / fotos: Júlio Carignano
Contrastando com as atividades que estão sendo desenvolvidas ao longo da
semana alusiva ao Dia do Índio, comemorado no dia 19 de abril, estão as
demarcações paralisadas, as poucas áreas em processo de identificação, o
esvaziamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o clima de
hostilidade – com incentivo a intolerância aos povos originários.
O vereador Paulo Porto (PCdoB), que atua junto às comunidades indígenas,
participou de atividades no município de Diamante do Oeste, Guaíra e
Terra Roxa. Indigenista há 23 anos, Porto esteve em contato com
lideranças destas comunidades no sentido de fortalecer a cobrança junto a
FUNAI e o governo brasileiro para que os processos de demarcações sejam
viabilizados e acelerados.
O
parlamentar fez um levantamento junto às lideranças sobre a atual
situação dos povos tradicionais. Os locais de maior tensão são Guairá e
Terra Roxa, municípios onde não há nenhuma área demarcada. Há onze
aldeamentos na região, sendo oito em Guairá e três em Terra Roxa. Por lá
os processos demarcatórios estão paralisados e existem apenas três
áreas em processo de identificação, as áreas de Marangatu, Tekoha Porã e
Araguaju. “Esta lentidão injustificada vêm criando uma insegurança
legalizada tanto para os indígenas como para os eventuais proprietários
de terras, gerando esse clima de tensão”, comenta.
Outro apontamento de Porto é para o tamanho das áreas a serem
demarcadas. “Existe uma mentira sendo ventilada pelas lideranças
ruralistas, em especial os grandes agricultores, de que a área a ser
demarcada seria algo em torno de 100 mil hectares, o que é uma bobagem!
Não existe esta hipótese e essa afirmação mentirosa somente está
trazendo um clima de hostilidade completamente desnecessário”, afirma.
Paulo Porto aponta que se todas as áreas fossem realmente demarcadas
teríamos aproximadamente 9 mil hectares somando os onze aldeamentos.
Para o comunista, a dificuldade nas demarcações está no processo de
esvaziamento da Funai. Porém, ele explica que esse não é um problema
novo. “Está faltando uma decisão política mais firme de priorizar esta
questão territorial no Oeste do Paraná, que está se tornando crônica e
cada vez mais contundente”.
Área de tensão
Porto visitou uma das aldeias com maior possibilidade de conflito: o
Tekoha Y’hovy, na Vila Eletrobrás, em Guaíra. Área com 40 hectares, por
lá vivem 27 famílias, aproximadamente 100 indígenas. “Foi ordenada a
retirada de nossa da aldeia, mas a Funai apresentou um recurso", diz o
cacique Ilson Soares sobre a ordem judicial. Também não há qualquer
indicação de área para abrigar essas famílias diante do iminente
despejo.
Ilson fala sobre o clima na região. “Os grandes produtores de terra
conseguiram mudar a opinião da sociedade e a população começou a nos
olhar como bandidos. O sindicato rural tem colocado medo em pequenos
produtores, espalhando mentiras que iríamos tomar várias terras
começando de Guaíra até Foz do Iguaçu”, diz o líder guarani.
Porto
também comenta a respeito. “Está se construindo um poderoso clima
anti-indígena, capitaneado pela Sociedade Rural de Palotina a partir da
socialização de inverdades em forma de preconceito. Temos alertado de
forma reiterada que este tipo de política do ódio promovida pelas
entidades patronais e determinadas lideranças políticas, inclusive
deputados, pode terminar em tragédia”, comenta, alertando para a
responsabilidade de sempre buscar o diálogo e jamais incentivar a
violência e a intolerância.
Para o vereador, há um processo de marginalização dos povos
tradicionais, atualmente tratados como ‘inimigos do progresso’, como
descrito em recentes faixas e outdoors confeccionadas em Guairá.
“Que progresso é esse? É um progresso de quem? Nós não queremos esse
progresso, pois o progresso já levou nossos pais, nossos antepassados,
nossas terras e parte da nossa cultura” questiona o cacique Ilson
Soares.
Resistência
Em suas visitas às comunidades indígenas, Paulo Porto fez uma explanação
a uma turma do Colégio Eron Domingues, de Marechal Cândido Rondon, que
visitaram a aldeia de Diamante do Oeste. Porto explicou que é preciso
entender que os índios não são todos iguais. “Existem povos indígenas
com diferentes culturas, línguas, costumes e crenças. São mais de 300
povos de etnias diferentes em todo o Brasil, mais de 180 línguas vivas e
de 4 a 5 povos que não tiveram contato algum com o não-índio”,
explicou.
No Estado Paraná existem três etnias indígenas: os kaiguangue com
aproximadamente 13 mil indivíduos, os guarani com cerca de 2,5 mil e os
xeta, esse último em vias de extinção com cerca de 12 a 15 indígenas.
Questionado sobre os conflitos no Mato Grosso do Sul, o vereador afirmou
que eles serão resolvidos a partir da aceleração dos processos de
demarcações. “Nos últimos 10 anos foram mais de 350 assassinatos de
indígenas no Mato Grosso do Sul. Todos esses crimes tiveram como vítimas
lideranças das aldeias”.
Paralelo
ao trabalho de indigenista, Porto afirma que o compromisso agora é
redobrado com o mandato na Câmara de Cascavel e falou sobre as
comemorações do Dia do Índio. “A comemoração deve estar pautada na luta
na resistência destes povos, que a mais de 500 anos vem teimosamente
persistindo em seus projetos históricos. Uma luta que se estende das
aldeias, da luta pelos direitos, até as grandes mobilizações como está
que aconteceu nessa semana no Congresso Nacional, quando centenas de
indígenas de mais de 70 povos diferentes foram reivindicar seus direitos
originários, entre eles, o acesso a terra tradicional”, concluiu.
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