O
presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dom Enemésio Lazzaris,
emitiu a nota pública intitulada “Conflito no Maranhão, uma lição de
realidade”, em que narra toda a trajetória de massacre do deputado
estadual César Pires (DEM), líder do governo Roseana Sarney na
Assembleia Legislativa, contra comunidade quilombola bicentenária do
Estado do Maranhão.
A nota, publicada no último dia 18, foi
escrita após o envio do ofício 71/2013 ao desembargador Gercino José da
Silva Filho, em que o parlamentar sarneyzista promete esclarecer o
conflito envolvendo, em partes distintas, ele e a comunidade Santa Maria
dos Moreiras. Segundo Dom Enemésio, desde 1992, os quilombolas travam
uma luta dura pela preservação do seu território, contra o deputado que,
passando por cima do povo, se diz dono do céu, da terra e de toda área.
A publicação relata ainda que, desde
1992, o “coronel” César Pires já mandou destruir roças, proibiu acesso
às fontes de água, restringiu o uso dos caminhos de roça e construção de
cercas de arame farpado impedindo o acesso das famílias às matas de
babaçu e às roças.
- Quem, durante 21 anos, intimidou,
ameaçou e agrediu, agora declara: “Sinto-me ameaçado de morte e quero
registrar isso a nível nacional”, cômico, não fosse trágico – finaliza o
bispo com ironia.
Veja a nota na íntegra:
NOTA PÚBLICA – Conflito no Maranhão, uma lição de realidade
A Comissão Pastoral da Terra
quer de público agradecer ao deputado estadual César Pires, do DEM do
Maranhão, líder do governo Roseana Sarney na Assembleia Legislativa,
pelos esclarecimentos que faz a toda a sociedade, sobre como agem os
poderes constituídos em relação a conflitos agrários.
Estes esclarecimentos estão
contidos no Ofício 71/2013, que o deputado encaminhou na data de
23.09.2013 ao desembargador Gercino José da Silva Filho, ouvidor agrário
nacional e presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência no
Campo. O ofício se reporta ao conflito envolvendo, de um lado, a
comunidade quilombola de Santa Maria dos Moreiras, em Codó – MA, e de
outro, o próprio deputado.
A comunidade quilombola de
Santa Maria dos Moreiras integra um dos maiores territórios étnicos do
estado do Maranhão. Pesquisas acadêmicas identificam sua existência há
mais de 200 anos. Em 24.01.2008, a Fundação Cultural Palmares reconheceu
e certificou o território de Bom Jesus onde se encrava Santa Maria dos
Moreiras. Desde 1992, os quilombolas travam uma luta dura pela
preservação do seu território, contra o deputado que se arvora dono da
área.
Neste período foram destruídas
roças, houve proibições de acesso às fontes de água, restrição de uso
dos caminhos de roça e construção de cercas de arame farpado impedindo o
acesso das famílias às matas de babaçu e às roças.
Em 3 de novembro de 2012, três
policiais militares, acompanhando dois “encarregados” da fazenda,
bloquearam a estrada do quilombo impedindo a passagem das pessoas e
disparando tiros de armas de fogo. Antes de irem embora, passaram perto
das casas dando tiros para cima.
Em 31 de janeiro de 2013,
enquanto os quilombolas realizavam Assembleia da comunidade, um jagunço e
um tenente da Polícia Militar incendiaram duas casas.
Por conta destas violências,
em 22 de agosto de 2013, foi realizada audiência pública nesta
comunidade, reunindo também representantes de outras comunidades com
representantes do INCRA e da Ouvidoria Agrária Regional. Os quilombolas
relataram as inúmeras violências que têm sofrido, principalmente da
parte do deputado estadual Cesar Pires, que tem como forte aliado o
prefeito do município de Codó, Zito Rolim, do PV. Este figura, desde
2011, na lista suja do Ministério do Trabalho e Emprego, por exploração
de mão de obra em condições análogas às de escravo.
Dias depois da audiência, em
02.09.2013, bois do parlamentar invadiram a roça de Gilberto Bezerra de
Araújo, destruindo o que estava plantado.
Segundo se depreende do ofício
do deputado, os quilombolas reagiram à destruição da roça e mataram um
boi. O fato foi prontamente denunciado e o Sr. Antônio Cesar Pereira dos
Santos, presidente da Associação Quilombola de Santa Maria dos
Moreiras, foi indiciado pela polícia e “o processo será ou já foi
encaminhado à justiça”. Poucos dias depois, a delegacia local iniciou
procedimentos para apurar responsabilidades, pela morte de outro boi.
“Para minha surpresa já hoje (26/09/2013) (sic) voltaram a matar outro
animal, desta vez um burro”, diz o ofício datado de 23/09/2013.
Nele se lê ainda que a
Secretaria de Agricultura do município elaborou relatório atestando a
inexistência de roças dos quilombolas na área: “as plantações de
vazantes são feitas em meu açude sem autorização”.
Realmente este ofício é uma
peça pedagógica e ganha consistência maior pela pessoa que o enviou.
Mostra com clareza meridiana a diferença de tratamento dado a quem tem
poder e dinheiro e aos camponeses e pobres. A morte de animais são
denunciadas e apuradas com rapidez incomuns, levando ao indiciamento de
supostos culpados. Não se tem notícia de que as agressões sofridas pela
comunidade tenham merecido atenção das autoridades. Mostra, também, como
interagem diversos poderes.
Neste caso a fábula do lobo e
do cordeiro encontra aplicação prática: as ações dos pequenos, no caso
os quilombolas, têm como único objetivo provocar a quem se julga
detentor de direitos para depois se fazerem passar por vítimas: “as
cercas são frágeis feitas com um único propósito de provocar-me e tentar
justificar as mortes dos animais.” “A violência no campo do Maranhão”,
deixa explícito o deputado: “às vezes chega a ser fantasiada e alardeada
numa tentativa de alguém tirar proveito dos fatos”.
“Matar animais indefesos com
armas de grande calibre, e de grande porte. Bandidagem,” registra o
ofício. Destruir plantações, impedir o livre trânsito de pessoas,
queimar residências, intimidar com armas de fogo, o que será?
Para o deputado, os advogados
dos quilombolas, não têm “conhecimento”, “nem talento e criatividade”,
por isso apelam para a “provocação”, “para torná-los vítimas, única
forma de aparecerem”.
Quem, durante 21 anos,
intimidou, ameaçou e agrediu, agora declara: “Sinto-me ameaçado de morte
e quero registrar isso a nível nacional”, cômico, não fosse trágico.
Mais uma vez a Comissão
Pastoral da Terra, citada pelo deputado, quer agradecer a lição prática
sobre como se dão as relações na sociedade brasileira.
Goiânia, 18 de outubro de 2013.
Dom Enemésio Lazzaris
Presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT)